6 de julho de 2004

Protesto burro

Do Luis Garcia de O Globo:

Para o professor da Uerj José Roberto Pinto de Góes, foi um ato de bárbaros a agressão a dois deputados americanos que participavam de um debate na universidade perpetrada por estudantes e funcionários. Ele disse isso dias atrás em artigo no GLOBO, e sábado o jornal publicou carta de resposta assinada pelo Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais. As coisas ficaram mais claras.


Porta-vozes do sindicato pedem-nos para acreditar que houve simplesmente o uso do “legítimo direito de cidadania” de “vários grupos de estudantes e trabalhadores da Uerj”, que agiram “de forma não articulada”.

Não se entende bem a necessidade de afirmar que o protesto não fora combinado. Inclusive, antes do artigo do professor, o sindicato não falara em ações separadas ao proclamar, em seu boletim: “Estudantes e servidores botam deputados de Bush para correr.”

Esse título nos põe diante de mistério mais importante. Por que investir contra dois deputados desconhecidos (e, com todo o respeito, de importância relativa em Washington: fazem parte da turma que tem tempo e vontade de viajar para debater processos eleitorais na Uerj)?

Parece que o pessoal estava convencido de que a dupla representava George W. Bush, suas idéias e seus atos. Estranhíssima conclusão, inclusive porque um deles é do partido de oposição ao presidente americano. E mesmo que ambos fossem republicanos, nada garantia que aprovassem a invasão do Iraque e outras iniciativas do lamentável governo Bush.

Protestar contra o presidente atacando deputados, humilhando-os fisicamente, não é prova apenas da barbárie lamentada pelo professor: é demonstração de um nível de ignorância perigosamente alto. Os alvos usados pela turma da farinha e dos ovos podem de alguma forma representar ou simbolizar a nação americana ou seu povo. Mas nunca o governo americano e suas políticas.

A administração de George W. Bush tem sido denunciada como um desastre (provocado tanto por incompetência quanto por más intenções) em grande parte da comunidade internacional e dentro dos Estados Unidos; suas chances de reeleição são, a esta altura, pelo menos duvidosas.

Quem quer protestar contra Bush no Brasil pode jogar seus ovos na embaixada e sua farinha no consulado, se acha que vale a pena. Atacar políticos americanos indiscriminadamente, é a mesma coisa que boicotar filme americano e significa confundir país com governo.

Ou seja, burrice. Muito triste em estudantes superiores.

O reitor da Uerj, em sua condição de educador, tinha o dever de mostrar isso, se não aos funcionários, pelo menos aos estudantes. Reuni-los para explicar — pacientemente, se necessário — que confundir cidadãos de uma nação com políticas e atos de um governo é logicamente absurdo.

Usar o episódio para atingir um objetivo didático seria, de parte dos educadores, tirar do episódio algum proveito inteligente: usar os ovos para fazer alimentícia omelete.

Infelizmente, o comando da Uerj não teve iniciativa e presença de espírito em sua reação. Procurou apenas não fazer muita marola — o que, como sempre acontece, pouco adiantou.


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Há quanto tempo eu digo isso? Há quanto tempo eu digo que não se pode confundir indíviduos com a administração de um país?

É como eu agredir um funcionário do Banco Central porque discordo da política econômica do Lula (dele mesmo?)...

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