24 de março de 2007

Porque emigrei...

Sempre que o assunto de sair do Brasil vem a baila, é inevitável alguém levantar a bola de porque eu quis sair do Brasil... É bem possível que, se eu fizer uma busca aqui ou no antigo blog, eu já tenha tratado desse assunto.

O que me fez sair do Brasil, entretanto, é diferente do que me faz ficar fora do Brasil.

*****

Era o final de 1998, minha filha com meses de vida, um pouco mais de ano e meio de casado, e eu estava num emprego que pagava muito bem mas para o qual eu tinha de, literalmente, me arrastar todos os dias - eu odiava o trabalho, a maioria das pessoas (vocês sabem que alguns de vocês moram no meu coração!), vivia preocupado com sonegação fiscal, e mais ainda com o futuro.

O fato é que minhas perspectivas profissionais se resumiam a encontrar outro emprego que pagasse similarmente bem e que trouxesse o mesmo tipo de aborrecimentos. Mudar de tecnologia talvez me desse maior alcance. Mas o tipo de trabalho seria o mesmo: consultor, desenvolvimento, dar luz a cegos, carregar projetos nas costas.

Comecei a pesquisar uma oportunidade no exterior pela vontade de experimentar alguma coisa diferente na minha vida. Mas, o pano de fundo era a busca por uma condição de vida mais segura. Principalmente na área financeira.

Eu acreditava - e pelo menos no caso dos EUA, de acordo com a minha experiência, eu tinha razão - que em termos de perspectivas profissionais as pessoas em outros países tinham uma estrutura e chances de um futuro com as quais não podiamos sonhar no Brasil.

Cismei com a Australia - inglês, clima quente, praias... E quando o mercado de trabalho lá se provou difícil de penetrar à época, resolvi fazer uma lista de países aceitáveis. Acabei numa lista curta de 3 países: Australia (minha obsessão), Espanha e EUA.

A Austrália e Espanha se provaram nações complicadas de prospectar emprego - pelo menos pra mim. Na primeira o mercado de trabalho era bem menor do que eu pensava, e minha experiência profissional não era o que eles procuravam. Na segunda foram bem claros comigo: sem falar espanhol fluentemente, não havia a menor chance. Portuñol não valia.

Os EUA, por outro lado, viviam o boom da Bolha da Internet. Contratavam desbragadamente dentro e fora do país. E muito da tecnologia que estava sendo removida em favor de websites e serviços web, era o tipo de tecnologia com a qual eu tinha experiência.

Levou um ano, mas eu fiz algumas entrevistas telefônicas, investi em uma passagem para os EUA para fazer algumas entrevistas pessoais, e ao final de 1999 eu tinha uma oferta de emprego.

Aceitei.

Financeiramente, à época, eu estava trocando seis por meia dúzia. Mas minha crença era que, no tempo certo, ganhando em moeda forte e numa economia estável, eu e minha família estariamos melhores.

*****

Note-se que todas as minhas considerações antes de decidir viver no exterior tinham pouco ou nada haver com a realidade brasileira - descontado, claro, o ambiente profissional e financeiro. Meu interesse era mais grana, estabilidade financeira, talvez um certo desafio profissional; mais nada.

Claro que eu estava frustrado e até, relativamente, assustado com determinadas coisas acontecendo no Brasil. Houveram até situações de risco acontecendo comigo, como o tiroteio em pleno centro da cidade do Rio de Janeiro alguns anos antes - onde tive que me jogar no chão de uma banca de jornais para me proteger. Mas eu nunca cogitei sair do Brasil por causa disso.

Como a esmagadora maioria dos imigrantes que vem para os EUA, a motivação era grana e perspectivas.

9 de março de 2007

O sistema legal precisa funcionar mais rápido e urgentemente...

Um homem foi atacado em NY, tomou um golpe na cabeça com um cano, foi atendido pelo sistema de emergência da cidade e os técnicos de emergência acharam que ele estava meramente bebado - não notaram o ferimento na cabeça. O resultado foi que o hospital recebeu o homem e ignorou o ferimento. Quando notaram, era tarde demais. O homem morreu em decorrência do ataque. Outras coisas aconteceram: a polícia não foi notificada que o homem tinha sido atacado, e portanto não houve investigação do crime.

Claro, você pode ler esta descrição da notícia e pensar: viu, acontece em tudo que é lugar!

Mas eu estou mais interessado no que aconteceu depois. A família da vítima processou a cidade pela falha dos técnicos de emergência. E acabaram de entrar num acordo onde a família ignora seus direitos a uma indenização se o problema for consertado dentro de um ano (com um membro da família fazendo parte do painel que vai buscar as soluções).

Ou seja: porque o sistema legal funciona em tempo adequado, há a possibilidade de pressionar governantes e o Estado em fazer a coisa certa. E mudanças decorrem dessa pressão.

Imagine se a família dessa menina que morreu no fogo cruzado no morro do Rio, processasse o Estado por a polícia não ter usado de mais cautela ao arriscar vidas humanas inocentes (os bandidos, sinceramente, me importa muito pouco - ainda que ache que eles tenham direitos, atirou contra um policial o policial precisa se defender). No atual sistema de justiça brasileiro, a ação leva 30 anos e nada muda. Se fosse um sistema judicial eficiente, futuras ações como essa poderiam ser prevenidas ou os cuidados devidos seriam tomados.

Não estou dizendo que a ação da polícia é injustificada. Se há bandidos nos morros, há que perseguí-los. Mas o planejamento de uma ação dessas tem de vislumbrar como proteger o cidadão comum - essa em última análise é a missão da polícia.

Ou que tal se a família do menino que foi arrastado brutalmente pelo carro entrasse na justiça para reaver impostos pagos aos governos federal, estadual e municipal? Ou com uma representação contra o chefe de polícia militar?

Não adianta dizer que o sistema judicial é eficiente e está meramente sobrecarregado. A definição de eficiência é a capacidade de ser eficaz (cumpre seu papel) sem jogar fora tempo, dinheiro, ou esforço. Não é o caso do sistema judicial brasileiro pelo menos no quesito TEMPO.

Eu sempre achei que a reforma da sociedade brasileira começaria na educação.

Mudei de opinião.

A reforma começa no sistema judiciário. Um sistema judiciário veloz, eficiente, e que protege os direitos do cidadão honesto enquanto se colocando de forma dura contra os criminosos. Um sistema judiciário eficaz.

Não se trata só de pescrever punições, mas de prover a habilidade de pressionar governos e governantes.

Em tempo: o judiciário precisa também ter a latitude de jogar fora os casos que não tenham validade, sob pena de criarmos também o lado nefasto do sistema americano, onde as pessoas vêem nos processos uma forma de ficarem ricas.

8 de março de 2007

Uma pergunta antiga, um subsídio novo...

Um amigo enviou uma mensagem com um antigo e-mail meu e novos insumos dando asas a uma teoria...

O link original está morto. Tratava-se de um artigo sobre um prêmio que alguns adolescentes ganharam aqui nos EUA por inventarem um ar condicionado mais econômico e sem freon. Um outro link para o artigo original: http://www.freerepublic.com/focus/f-news/1437615/posts

Sem edições, a troca de e-mails abaixo:

Meu e-mail original, de 2005:
"http://www.sltrib.com/utah/ci_2841984

(Em português porco do Google aqui: http://translate.google.com/translate?u=http%3A%2F%2Fwww.sltrib.com%2Futah%2Fci_2841984&langpair=en%7Cpt&hl=en&c2coff=1&ie=UTF-8&oe=UTF-8&prev=%2Flanguage_tools )

Vocês são engenheiros...

Por quê no Brasil nós não vemos coisas assim acontecendo?

Minha suspeita é que o sistema de ensino - não só o público - simplesmente não aponta as crianças e jovens nesta direção. Sem falar, claro, na baixíssima qualidade da escola pública.

Aqui, já no segundo grau, o jovem tem dezenas de matérias eletivas onde ele começa a experimentar com aquilo que efetivamente lhes interessa. Coisas tão diversas quanto física e fotografia... No Brasil engessam o cérebro da gente naquele currículo imbecil (e muitas vezes inútil) e mesmo na universidade não há estímulo para se explorar os interesses e pendores individuais. O cara já chega na faculdade com uma boa idéia das coisas que ele curte e tem maior probabilidade de ter sucesso.

Certamente nós temos gente tão inteligente quanto e tão capaz quanto esses garotos.

Por quê então os EUA tem tanto mais sucesso em desenvolver tecnologias?

Eu sei que existe pesquisa acontecendo no Brasil e que muita coisa interessante em diversas áreas vem dessa pesquisa. Mas ela começa tarde e termina tarde e parece não resultar em produtos úteis como aqui. Eu tenho amigos que estão no universo acadêmico mas parece haver um bloqueio entre o que é acadêmico e o que é prático. Não se vê o resultado das pesquisas chegando em massa ao mercado. Sem contar que, me dizem eles, a maior parte da produção acadêmica é financiada pelo Governo com o nosso dinheiro, e a medida de sucesso é número de publicações, e não resultados práticos.

Exemplo: há um tempo atrás eu vi na TV que a Universidade Federal de Pernambuco (antes de p e b, m - lembrei) tinha desenvolvido um tipo de produto que quando colocado na água limpa fazia as larvas do mosquito Aedes - nosso eterno inimigo - se auto-consumir (digerir mesmo). Esse produto chegou ao mercado? Acho que não. Sabe-se lá quantos outros produtos não chegam...

Se não se conserta isso, não se conserta o resto.

E aí, vem a pergunta mais importante...

Será que quem está a cargo da Educação sequer percebe isso? E se percebe, será que existe algum interesse de mudar alguma coisa?

Neste caso, eu só tenho perguntas.

C.E."

E o artigo apontado pelo amigo hoje:
"Folha de São Paulo, 25 de fevereiro de 2007, por Gilberto Dimenstein

Ensinando a voar

Repetia, como se fosse mantra: "o gosto pelo conhecimento é a melhor herança que posso deixar"


O CEARENSE Expedito Resende, 66, conseguiu atrair a atenção mundial ao inventar um combustível para avião feito à base de óleo de babaçu, atualmente em testes avançados nos laboratórios da Boeing, acompanhados pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. Mudar o jeito como os aviões voam, usando o chamado "bioquerosene", não seria sua mais importante descoberta.
Professor de engenharia química da Universidade Federal do Ceará, Expedito criou, nos anos 70, o biodiesel. Usando plantas comuns no Nordeste, viu que o combustível servia, sem nenhum problema, nos motores como substituto do petróleo. Mas, na época, não havia tanta consciência ecológica, o preço do petróleo ainda não estava nas alturas e não se sabia como dar escala comercial à sua invenção. Em 1991, alemães e austríacos resolveram usar a descoberta para produzir energia limpa.
Nos últimos tempos, Expedito vem ganhando prêmios internacionais e ajudando a implantar centenas de usinas de biodiesel. Isso significa a perspectiva de criação de empregos, especialmente no Nordeste, e de um recurso contra o aquecimento global.
Por trás dessa tecnologia há uma história não menos interessante sobre quem ajudou a inventar esse inventor. Chama-se José Parente, pai de Expedito -é uma criação muito mais do que biológica.

José Parente tinha 12 anos quando deixou um povoado nas proximidades de Sobral (CE), onde vivia, e mudou-se para Fortaleza. Era o caçula entre seus 28 irmãos, sustentados pelo pai agricultor. Fez o trajeto a pé, sozinho, alimentando-se com o que encontrava no caminho. Tinha dois projetos: obter um emprego e entrar numa escola.
Matriculou-se para o período noturno de uma escola, mas, com o excesso de trabalho, acabou desistindo. Tentou por várias maneiras continuar estudando. Pediu ajuda a seu patrão e ouviu a seguinte frase: "Menino pobre não precisa de escola".
Praticando, José Parente aprendeu as artes do comércio. Adulto, tornou-se empresário, casou, teve nove filhos, todos entraram na faculdade. Repetia algumas frases como se fossem mantras: "o gosto pelo conhecimento é a melhor herança que posso deixar" ou "a maior riqueza está dentro da cabeça"

Nas conversas familiares, sempre vinham as histórias do menino de 12 anos, caminhando sozinho pelas estradas de terra, a frustração pela impossibilidade de estudar compensada pelas habilidades autodidatas. Já empresário próspero (depois teve um banco), José Parente tratou de ajudar aquela escola em que tentou, mas não conseguir estudar.
Expedito cresceu ouvindo esses casos. "Ficou arraigada em todos nós aquela reverência pelo saber", conta Expedito. Essa reverência estava por trás de sua decisão de sair de casa para estudar, como tinha feito seu pai. "Só que, desta vez, sem desconforto", diz ele. Mudou-se para o Rio, onde se formou em engenharia química e, depois, aprimorou-se nos Estados Unidos e na Europa. Voltou para o Ceará, fascinado pelo encanto dos experimentos químicos. Uma de suas criações foi a "vaca mecânica" para a produção de leite de soja, disseminada em centenas de cidades brasileiras.

Testou motores com álcool, mas preferiu investigar melhor o poder de plantas como o babaçu. Em 1984, um Bandeirante, da Embraer, voou de São José dos Campos até Brasília, movido a bioquerosene, desenvolvido por Expedito -apesar do sucesso do vôo, o projeto foi arquivado pelos militares.
Foram necessários mais 20 anos para que levassem a sério sua experiência, agora em apreciação pelos americanos -certamente seria impossível se o inventor não tivesse com um de seus professores um menino de 12 anos, andando a pé pelo interior do Nordeste, com o sonho de aprender.

PS - O caso de José Parente mostra os caminhos para se evitar a marginalidade, gerando inventores e não criminosos -envolvimento familiar na vida dos filhos, culto ao empreendedorismo e reverência ao aprendizado. Nosso problema não é de maioridade penal, mas a de menoridade dos adultos."

4 de março de 2007

Quem dera um fundo do poço...

Este post não objetiva malhar este ou aquele político. Eu detesto todos eles, de todos os partidos e em dois países diferentes. São, em sua maioria e com raríssimas exceções, os verdadeiros sangue-sugas de uma sociedade. Esse parágrafo inicial é só pra deixar claro que é preciso ler o post inteiro antes de decidir que estou só malhando A, B ou C.

Em 2002, quando o atual Presidente foi eleito, ficou claro que a sociedade brasileira estava tentando mudar os rumos do país. Cansaram de votar - pelo menos no caso do Presidente, porque continuaram elegendo a mesma corja pra tudo mais - nos mesmos pústulas inéptos e/ou corruptos. Elegeram um homem que prometia mudar o país e criar uma nação mais justa.

O que mudou, efetivamente, no Brasil desde que me mudei pros EUA em 2000?

Uma coisa ficou óbvia hoje: o jornal O Globo se aproximou bastante do jornal O Dia.

Quando eu era moleque no Rio, os leitores de O Dia eram brindados com um jornal recheado de sangue. As notícias, normalmente oriundas dos subúrbios e da baixada fluminense, eram no mínimo chocantes e no máximo bizarras. Quando o artigo não era sobre chacina, certamente tinha haver com assassinato, suicídio ou um acidente terrível.

No jornal O Globo de hoje eu contei 8 mortos por assassinato (5 em uma chacina, uma criança em Joinville, um funcionário de supermercado num assalto em Copa, e um outro num crime sob encomenda). Sem contar as outras atrocidades mais antigas que continuam a dar as caras, como o assassinato do ganhador da mega-sena e o retorno do filho dos franceses assassinados a um país sério (seriam mais 3 mortos e um órfão então).

Mudou o jornal? Tenho certeza que sim... O jornal deve ter mudado até porque as sensibilidades dos leitores mudaram. Para que alguém se choque com um crime esses dias, ele tem de afetar a classe média e, preferencialmente, crianças. Assaltos são lugar comum. Sequestros parte do dia a dia. Acidentes graves com vários mortos nem aparecem mais nos jornais.

Mas a verdade é que o Brasil vem descendo a ladeira, e não da forma alegre e contagiante daquela música do Pepeu Gomes e Moraes Moreira. Vai de mal a pior. E a maioria dos brasileiros está sem perspectiva do ponto a que as coisas chegaram.

Meu pai, outro dia, me disse que o mundo inteiro está numa espiral descendente. Que sair do país, como eu saí, não muda o fato de que essas coisas "acontecem em qualquer lugar". Ele não é o único a sair com esse tipo de tirada... Pra quem está imerso numa situação de caos, é inevitável minimizar a própria situação e apontar fatos similares em outros lugares.

É claro que crimes acontecem no mundo inteiro. Crimes horríveis. Seres humanos são inerentemente cruéis com seu semelhante, alguns mais que outros. É uma infeliz realidade da vida no planeta Terra.

Mas querer comparar os incidentes isolados nos EUA - violentos e terríveis, sim - ou os poucos crimes violentos na Europa - que infelizmente últimamente tiveram vítimas brasileiras - com a barbárie que acontece no Brasil de hoje é sintôma claro de dissociação da realidade.

Eu não tenho prazer em falar mal do Brasil. Não é fácil viver em outro país, obrigado a falar outra língua, a tentar manter na educação da minha filha o que é positivo da nossa cultura, com saudades da família e dos amigos. É uma escolha que se renova todos os dias. E eu queria que fosse mais difícil de renovar. Queria pensar duas vezes e ver no Brasil um mínimo de estrutura e tranquilidade que me permitisse cogitar um retorno.

O que se vê todos os dias, entretanto, é: terror, morte, descaso, desorganização, despreparo público, corrupção, sofrimento, medo...

Eu tenho certeza de que em meio a tudo isso as pessoas conseguiram construir uma "normalidade". O ser humano precisa, e consegue, se convencer de que está tudo bem. Que acontece com os outros e não com a gente. Que em meio a todo o caos, nossa vida é tranquila e preservada.

Mas se todo o brasileiro tivesse a oportunidade de viver uma vida mais tranquila, como eu tive e tenho, eu me pergunto se seria possível continuar se enganando.

Do meu ponto de vista, o Brasil é um poço sem fundo e a sociedade está em queda livre, sem paraquedas.

Seria bom se o poço tivesse um fundo. A porrada ia ser firme e forte, muita gente ia sofrer, mas havia a perspectiva de que não se pode cair mais. Que daquele ponto em diante só há uma direção pra seguir - com dificuldade, sim - mas pra cima.

Mas eu, sinceramente, acho que não há fundo. Não há chance de mudança de direção.

A queda vai continuar. Só Deus sabe até quando.