6 de agosto de 2004

Brasil que maltrata a gente...

Com meus sogros visitando e sem falar inglês nenhum, acabo assistindo doses muito maiores de Globo Internacional do que seria saudável.

Estava assistindo o Jornal Nacional, coisa que tinha deixado de fazer por que me deprime profundamente, quando surgiu a noticia da menina de 12 anos em São Paulo que foi raptada e ficou em poder dos sequestradores por 70 dias. Libertada pela polícia, que matou os seqüestradores (não sei dizer com certeza, mas é possível que na frente dela) que guardavam o cativeiro, a menina foi entregue a família.

Qualquer um que more no Brasil dirá: "Que bom que tudo terminou bem!".

É isso que me incomoda.

O sequestro de uma menina de 12 anos deveria ser manchete de jornal TODO DIA até a menina ser encontrada, de preferência rapidamente e não ao cabo de 2 meses e pouco.

Um sequestro de qualquer pessoa deveria ser manchete TODO DIA. E não um número nas estatísticas, com uma notinha no jornal e manchetes quando a polícia liberta alguém do poder dos bandidos.

Porque, sabe-se lá, para um fim positivo quantos foram os fins trágicos.

Esses crimes já se tornaram tão corriqueiros e a frequência aumentou de tal forma, que os brasileiros nem percebem mais a gravidade do que se está noticiando. Estão anestesiados. Pensam, sem pensar, "Ainda não foi minha vez" - e a vida segue como dantes.

O Brasil maltrata não só os criminosos, jogados em cadeias que não reabilitam e tratados como animais dentro e fora delas; mas também os seus cidadãos honestos que contribuem com seus impostos.

Porque todos foram abandonados pelo Estado. Abandonados à própria sorte pelas entidades - municipal, estadual e federal - que remuneram com seus impostos e que nada fazem para protegê-los e guardá-los do crime organizado e amador que tomou conta do país inteiro. Porque se engana quem pensa que são problemas apenas do Rio de Janeiro e São Paulo. O país foi tomado!

Para quem já me lê há algum tempo, não há surpresa em ler tudo isto aqui - porque sabem que da mesma forma que eu conclui que o Brasil nos abandonou, eu abandonei o Brasil. Sem culpa, porque foi um abandono mútuo.

Mas é muito triste um país como o nosso, que tem todas as possibilidades naturais que sabemos bem, nós proibir até de sentir saudade dele.

Porque quando eu vejo que uma menina de 12 anos ficou nas mãos de bandidos por 70 dias, não posso deixar de pensar na minha filha. Pensar no desespero que os pais dessa menina devem ter sentido cada uma das 1680 horas que ficaram sem a filha, e no desespero que eu sentiria no lugar deles.

Não posso evitar sentir esse misto de raiva e medo. De revolta. Uma revolta que todo brasileiro de bem deveria sentir, mas não sente mais.

Porque é tudo parte do seu dia a dia.

E isso alimenta ainda mais a minha revolta. Porque permitiram que roubassem até a capacidade dos cidadãos se indignarem.

Mas esses crimes e esse abandono não fazem parte do meu dia a dia.

E a minha capacidade de indignação continua intacta, aliás foi aumentada por estar extraído da realidade cruel dos brasileiros que ficaram.

E aí qualquer saudade que eu pudesse pensar em sentir é suprimida pela certeza de que fiz a coisa certa ao abandonar quem me abandonou.

Nem eu nem os meus vamos ser maltratados pela inação do Estado Brasileiro.

Meus sinceros sentimentos aos que ficaram.

Em tempo: a família da menina recuperada não quer falar com a imprensa, mas mandou avisar que vai sair do país.

Nenhum comentário: