- Você só faz contribuições negativas.
- Hein?
- É isso mesmo que você ouviu.
- Eu só faço contribuições negativas, foi isso que eu ouvi. Mas o "hein?" quis expressar total e completa incompreensão sobre o que você quis dizer com isso.
- Eu tô cansada de você falando mal do Brasil. Tô cansada de você dizendo para as pessoas que nada no Brasil presta. Tô cansada dessa sua eterna ingratidão!
- Ingratidão?!!
- Ingratidão sim! Você é brasileiro! Não pode viver falando mal do Brasil!
- Mas você quer que eu fale bem de quê? Aliás, pausa - antes disso - eu tenho de ser grato ao Brasil porquê?
- Grato sim! Você foi criado aqui! Tudo o que você é, é fruto do Brasil!
- Você bebeu?
- Tá vendo, é essa atitude soberba...
- Atitude soberba? A gente estava conversando e você começa a falar de como eu devo conduzir a minha vida, eu digo que pro Brasil eu não volto, você embarca numa de dizer que eu não devia cuspir no prato nem pra cima, e agora me diz que eu tenho de ser grato; e eu estou tento atitude soberba quando pergunto se você está bebada?
- Olha aqui...
- Não, olha aqui você: eu fiz a minha escolha. Você acha que eu falo mal do Brasil porque gosto? Você acho que eu fico feliz cada vez que a minha filha me pergunta porque nós moramos aqui e não no Brasil? Eu falo o que vejo do Brasil. Nem bem, nem mal. O que vejo. Nas poucas coisas em que o Brasil é muito melhor do que onde moro, eu digo isso com todas as letras. Mas achar que eu vou ficar defendendo o Brasil por causa de alguma dívida mítica que você tem na sua cabeça? Você só pode estar bebada!
- Você tem uma dívida sim! É seu país!!!
- Não, é o país onde eu nasci. O Brasil nunca me deu nada. Se não fossem os meus pais terem trabalhado como trabalharam - e, deixa eu deixar uma coisa clara pra você, se meus pais tivessem trabalhado aqui ao invés de no Brasil, da maneira como trabalharam, minha família seria rica! - e não tivessem pago escola particular, faculdade, uma vida protegida; tudo isso enquanto o Brasil, que você agora defende com unhas e dentes, tomava deles impostos que desapareciam nos bolsos de uns e outros, ao invés de pagar pela educação, pela segurança, pela saúde, que deveriam pagar; se não fosse por eles terem pago o meu curso de inglês com sacrifício; ou os livros que eu li a vida inteira; ou os computadores que me deram uma profissão...
- Sua mãe concorda comigo.
- Não interessa! Não importa! Minha mãe viveu um outro Brasil, um Brasil que vinha de um passado menos negro e estava menos imerso no caos, um Brasil que ainda era relevante... Ela foi funcionária pública a vida inteira e tem um senso de pertencer ao país que eu nunca consegui e nem vou conseguir ter.
- O que não interessa é você ficar falando mal do seu país.
- Você está se limitando. Pior, você está ME limitando!
- O quê?
- Então você acha que o que te define na vida é o lugar onde você nasceu? O país que te dá um passaporte? Isso não faz o menor sentido!
- Não, eu não acho isso, mas você tem de ter respeito e amor pelo seu país.
- Tenho porquê?
- Aí onde você mora todo mundo tem!
- E daí? Então se as pessoas no Brasil desenvolveram - como você está demonstrando - um complexo de inferioridade e agora todo mundo resolveu ser ultra-nacionalista, eu tenho de ser também? Porque os americanos tem um complexo de superioridade doente eu tenho de ter também? Limitante! E um pouco idiota...
- Olha aí, já começou de novo...
- Comecei o quê? A falar a verdade! Novelas que defendem que lugar de brasileiro é no Brasil, a eterna crença no país do futuro, primeira página para notícias de que a CIA acha que o Brasil vai ser uma potência! As pessoas perderam completamente a capacidade de lidar com a realidade à sua volta!
- Eu não quero saber. Eu não quero mais ouvir você falando mal do Brasil. Porque não ajuda! Nada desse seu falatório ajuda!
- E calar a boca ajuda?
- Não, mas pelo menos não me irrita! Você não vai mudar minha vida tentando me convencer que o Brasil é uma droga e que eu tenho de sair daqui.
- Ok. Isso é um direito seu. Você não quer me ouvir falando mal do Brasil. Duas possibilidades: se estivermos num grupo e eu começar a falar, saia de perto. Se estivermos sozinhos não vai acontecer, porque eu vou respeitar sua vontade.
- Você tem de entender que um dia você pode precisar do Brasil.
- E se esse dia chegar, eu tenho certeza que o Brasil vai me faltar.
- Olha só...
- Não, não... Não tem "olha só". A minha "contribuição negativa" é o fato da minha opinião ser contrária a sua. Só isso. Você acha que eu sou um escroto porque eu penso diferente de você. Não adianta eu falar três dias e listar todos os motivos de porque o Brasil não tem conserto e porque eu não quero nem cogitar ter de voltar pra lá. Não vai adiantar também eu enumerar as coisas que eu penso serem positivas. Porque você já formou sua opinião.
- Eu...
- Não, você já falou demais. Eu vou terminar. O prepotente sou eu, que batalhei para sair do Brasil, dei sorte, sai, batalhei mais para conseguir manter os privilégios dessa saída; corri atrás de um direito meu - e consegui a cidadania portuguesa como uma alternativa - e agora tenho opções de vida que outros no Brasil não tem. O arrogante sou eu que, há quase 8 anos pensei "Chega dessa merda!" e resolvi sair do país. O apátrida, o traidor, sou eu - mesmo o Brasil já tendo abandonado a gente a própria sorte há muito tempo. O babaca sou eu por sonhar com uma perspectiva melhor para os meus.
- Você está colocando palavras...
- Estou? Não, acho que não! Você é uma pessoa incapaz de admitir quando esta errada! Incapaz de pedir desculpas! Incapaz de admitir que essa sua raiva de mim porque eu aponto o que vejo de errado - e não é só no Brasil não, eu "falo mal" de outros lugares também, inclusive do lugar onde moro - é fruto de uma vontade de ignorar a realidade a sua volta.
- Eu sou incapaz de pedir descul...
- Deixa eu terminar! Você começou e eu vou terminar! Eu não vou ficar contribuindo para essa sua viagem, essa loucura localizada que tomou conta do Brasil. Não vou. Se o Brasil se endireitar, eu vou ser o primeiro a bater palmas e - para ser sincero - torço pra isso! Minha família ainda mora lá. Mas a realidade, dura e seca, é que a situação não é de forma alguma motivo de orgulho.
- Eu não pedi orgulho! Eu pedi respeito!
- Respeito não se dá, respeito se conquista! O Brasil tem de ganhar de mim o respeito que perdeu. Até esse dia chegar, não espere que eu doure a pílula. Não espere que eu me cale.
- ...
- E pode ficar tranquila! Não espere que eu fique aqui tentando te convencer. Ao contrário de você, eu abandonei essa ilusão de que eu posso mudar a cabeça dos outros há muito tempo. O máximo que se consegue é se plantar uma semente, mais nada.
- Você está me ofendendo.
- E eu acho que você precisa de tratamento psicológico.
5 de fevereiro de 2005
Botando as cartas na mesa...
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