4 de março de 2007

Quem dera um fundo do poço...

Este post não objetiva malhar este ou aquele político. Eu detesto todos eles, de todos os partidos e em dois países diferentes. São, em sua maioria e com raríssimas exceções, os verdadeiros sangue-sugas de uma sociedade. Esse parágrafo inicial é só pra deixar claro que é preciso ler o post inteiro antes de decidir que estou só malhando A, B ou C.

Em 2002, quando o atual Presidente foi eleito, ficou claro que a sociedade brasileira estava tentando mudar os rumos do país. Cansaram de votar - pelo menos no caso do Presidente, porque continuaram elegendo a mesma corja pra tudo mais - nos mesmos pústulas inéptos e/ou corruptos. Elegeram um homem que prometia mudar o país e criar uma nação mais justa.

O que mudou, efetivamente, no Brasil desde que me mudei pros EUA em 2000?

Uma coisa ficou óbvia hoje: o jornal O Globo se aproximou bastante do jornal O Dia.

Quando eu era moleque no Rio, os leitores de O Dia eram brindados com um jornal recheado de sangue. As notícias, normalmente oriundas dos subúrbios e da baixada fluminense, eram no mínimo chocantes e no máximo bizarras. Quando o artigo não era sobre chacina, certamente tinha haver com assassinato, suicídio ou um acidente terrível.

No jornal O Globo de hoje eu contei 8 mortos por assassinato (5 em uma chacina, uma criança em Joinville, um funcionário de supermercado num assalto em Copa, e um outro num crime sob encomenda). Sem contar as outras atrocidades mais antigas que continuam a dar as caras, como o assassinato do ganhador da mega-sena e o retorno do filho dos franceses assassinados a um país sério (seriam mais 3 mortos e um órfão então).

Mudou o jornal? Tenho certeza que sim... O jornal deve ter mudado até porque as sensibilidades dos leitores mudaram. Para que alguém se choque com um crime esses dias, ele tem de afetar a classe média e, preferencialmente, crianças. Assaltos são lugar comum. Sequestros parte do dia a dia. Acidentes graves com vários mortos nem aparecem mais nos jornais.

Mas a verdade é que o Brasil vem descendo a ladeira, e não da forma alegre e contagiante daquela música do Pepeu Gomes e Moraes Moreira. Vai de mal a pior. E a maioria dos brasileiros está sem perspectiva do ponto a que as coisas chegaram.

Meu pai, outro dia, me disse que o mundo inteiro está numa espiral descendente. Que sair do país, como eu saí, não muda o fato de que essas coisas "acontecem em qualquer lugar". Ele não é o único a sair com esse tipo de tirada... Pra quem está imerso numa situação de caos, é inevitável minimizar a própria situação e apontar fatos similares em outros lugares.

É claro que crimes acontecem no mundo inteiro. Crimes horríveis. Seres humanos são inerentemente cruéis com seu semelhante, alguns mais que outros. É uma infeliz realidade da vida no planeta Terra.

Mas querer comparar os incidentes isolados nos EUA - violentos e terríveis, sim - ou os poucos crimes violentos na Europa - que infelizmente últimamente tiveram vítimas brasileiras - com a barbárie que acontece no Brasil de hoje é sintôma claro de dissociação da realidade.

Eu não tenho prazer em falar mal do Brasil. Não é fácil viver em outro país, obrigado a falar outra língua, a tentar manter na educação da minha filha o que é positivo da nossa cultura, com saudades da família e dos amigos. É uma escolha que se renova todos os dias. E eu queria que fosse mais difícil de renovar. Queria pensar duas vezes e ver no Brasil um mínimo de estrutura e tranquilidade que me permitisse cogitar um retorno.

O que se vê todos os dias, entretanto, é: terror, morte, descaso, desorganização, despreparo público, corrupção, sofrimento, medo...

Eu tenho certeza de que em meio a tudo isso as pessoas conseguiram construir uma "normalidade". O ser humano precisa, e consegue, se convencer de que está tudo bem. Que acontece com os outros e não com a gente. Que em meio a todo o caos, nossa vida é tranquila e preservada.

Mas se todo o brasileiro tivesse a oportunidade de viver uma vida mais tranquila, como eu tive e tenho, eu me pergunto se seria possível continuar se enganando.

Do meu ponto de vista, o Brasil é um poço sem fundo e a sociedade está em queda livre, sem paraquedas.

Seria bom se o poço tivesse um fundo. A porrada ia ser firme e forte, muita gente ia sofrer, mas havia a perspectiva de que não se pode cair mais. Que daquele ponto em diante só há uma direção pra seguir - com dificuldade, sim - mas pra cima.

Mas eu, sinceramente, acho que não há fundo. Não há chance de mudança de direção.

A queda vai continuar. Só Deus sabe até quando.

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